segunda-feira, outubro 30, 2006

A morte absoluta...



Morrer.
Morrer de corpo e de alma.
Completamente.

Morrer sem deixar o triste despojo da carne,
A exangue máscara de cera,
Cercada de flores,
Que apodrecerão – felizes! – num dia,
Banhada de lágrimas
Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.

Morrer sem deixar porventura uma alma errante...
A caminho do céu?
Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?

Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
A lembrança de uma sombra
Em nenhum coração, em nenhum pensamento,
Em nenhuma epiderme.

Morrer tão completamente
Que um dia ao lerem o teu nome num papel
Perguntem: "Quem foi?..."

Morrer mais completamente ainda,
– Sem deixar sequer esse nome.


Manuel Bandeira

[Imagem: Desconheço o autor]

segunda-feira, outubro 02, 2006

Escuridão...



Senti a vela apagar-se no meu quarto,
Senti um arrepio malfadado aproximar-se,
Senti a tua mão no meu peito aberto,
Senti sorrateiramente a janela fechar-se.

Senti-te, como queria, perto de mim,
Senti-te apalpar-me no escuro,
Senti-te carinhosamente amar-me assim,
Senti-te um coração bater tão puro.

Queria possuir-te de felicidade,
Queria amar-te de verdade,
Queria sentir-te na realidade,
Queria saborear-te por vontade.

Queria-te em mim, como nunca quis ninguém,
Queria-te sozinha, todas as noites ao serão,
Queria-te presa a mim toda a vida e mais além,
Queria-te somente alegre na minha escuridão.


Zerwin (s/d)

[Imagem: Francois Benveniste cedida por Zerwin]