segunda-feira, novembro 27, 2006



Foi sonho…..
Quando fiz um mar de noites agitadas e tranquilas,
Cheias de mistérios, segredos e encantos.
Foi sonho…….
Adornar esse mar, com a brisa das nossas carícias.
Foi sonho…..
Salgá-lo com a nossa seiva, o nosso suor…..
Foi sonho…..
Deposita-lhe no fundo algas de frases doces.
Foi sonho……
Salpicá-lo de conchas macias de beijos.
Foi sonho…..
Fazer do teu corpo, um barco
Do meu corpo, tuas velas,
Do nosso amor uma rota.
Foi sonho…..
Porque o mar secou
O barco das velas se separou
E do sonho só o amor ficou.

Lia
Setembro de 2001

[Imagem: Desconheço o autor]

domingo, novembro 05, 2006

Os teus pés...



Quando não te posso contemplar
Contemplo os teus pés.

Teus pés de osso arqueado,
Teus pequenos pés duros,

Eu sei que te sustentam
E que teu doce peso
Sobre eles se ergue.

Tua cintura e teus seios,
A duplicada purpura
Dos teus mamilos,
A caixa dos teus olhos
Que há pouco levantaram voo,
A larga boca de fruta,
Tua rubra cabeleira,
Pequena torre minha.

Mas se amo os teus pés
É só porque andaram
Sobre a terra e sobre
O vento e sobre a água,
Até me encontrarem.


Pablo Neruda

[Imagem: Desconheço o autor]

segunda-feira, outubro 30, 2006

A morte absoluta...



Morrer.
Morrer de corpo e de alma.
Completamente.

Morrer sem deixar o triste despojo da carne,
A exangue máscara de cera,
Cercada de flores,
Que apodrecerão – felizes! – num dia,
Banhada de lágrimas
Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.

Morrer sem deixar porventura uma alma errante...
A caminho do céu?
Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?

Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
A lembrança de uma sombra
Em nenhum coração, em nenhum pensamento,
Em nenhuma epiderme.

Morrer tão completamente
Que um dia ao lerem o teu nome num papel
Perguntem: "Quem foi?..."

Morrer mais completamente ainda,
– Sem deixar sequer esse nome.


Manuel Bandeira

[Imagem: Desconheço o autor]

segunda-feira, outubro 02, 2006

Escuridão...



Senti a vela apagar-se no meu quarto,
Senti um arrepio malfadado aproximar-se,
Senti a tua mão no meu peito aberto,
Senti sorrateiramente a janela fechar-se.

Senti-te, como queria, perto de mim,
Senti-te apalpar-me no escuro,
Senti-te carinhosamente amar-me assim,
Senti-te um coração bater tão puro.

Queria possuir-te de felicidade,
Queria amar-te de verdade,
Queria sentir-te na realidade,
Queria saborear-te por vontade.

Queria-te em mim, como nunca quis ninguém,
Queria-te sozinha, todas as noites ao serão,
Queria-te presa a mim toda a vida e mais além,
Queria-te somente alegre na minha escuridão.


Zerwin (s/d)

[Imagem: Francois Benveniste cedida por Zerwin]

sábado, setembro 16, 2006

Cidade dos outros...



Uma terrível atroz imensa
Desonestidade
Cobre a cidade

Há um murmúrio de combinações
Uma telegrafia
Sem gestos sem sinais sem fios

O mal procura o mal e ambos se entendem
Compram e vendem

E com um sabor a coisa morta
A cidade dos outros
Bate à nossa porta

Sophia de Mello Breyner Andresen

[Imagem: Desconheço o autor]

terça-feira, agosto 29, 2006

Rosas...



Das rosas nascem os espinhos
que rasgam os dedos.
Os mesmos dedos que pintaram
o amor de azul
numa tela remanescente.

Tens as rosas cravadas nos teus olhos
vidrados de uma luz eterna,
desconhecida.

Peço-te insistentemente essas rosas.
Cobre-me o corpo despido
com as pétalas vermelhas
que escorrem dos teus olhos

pela face,
pelos ombros
manchados pela saudade.
Beijo-te os ombros.
Abraço-te.
Abraço mil rosas
e pinto-te
com amor.


Joana Almeida
12/05/2003

[Imagem: Desconheço o autor]

segunda-feira, agosto 21, 2006

Odiável Chocolate...



Prova-me, deixa-me tocar a tua boca!
Afaga-me, perde-te na minha textura!
Absorve a minha essência.
Deixa-me despertar-te...
Delicia-te...
Desfaz-me.
Afoga-me na tua líbido.
Sente-me desfalecer
e quando me for,
ainda te lembrarás do meu sabor
Vais ansiar-me, angustiada.
Vais ficar presa,
Viciada...
Vais lembrar-me...
Suave,
meigo...
Desesperadamente doce,
apaixonadamente amargo.
Gravados por todos os teus sentidos,
vão estar todos os meus seres.
Quero que em ti me leves, quero ser teu!
Quero deixar em ti ,eterno, o meu toque.
Não esquecerás o meu gosto...
E de como de tantas formas me sentiste,
entregue, parte de ti...
Vais odiar-me por tudo isto.


Ivan Alexandre
16/08/2006

quarta-feira, agosto 09, 2006



De uma fusão
de duas partículas
antes tão solitárias
nasce,
num instante único
uma só partícula
e uma luz enorme
que se espalha em todo o espaço
e em todo o tempo
Como se as partículas estivessem enamoradas
e quisessem gritar ao mundo
o seu amor
E não será isso mesmo?
É o mundo
a amar-se a si próprio.

André

[Imagem: Desconheço o autor]

sexta-feira, agosto 04, 2006




...e as saudades
são casas
deixadas por pessoas cansadas
ao amanhecer.


Maria Vicente

[Imagem: Desconheço o autor]

sexta-feira, julho 21, 2006

Para reflectir (I)


Precisamos de tentar chegar ao ponto de ver o que possuímos exactamente com os mesmos olhos com que veríamos tal posse se ela nos fosse arrancada. Quer se trate de uma propriedade, de saúde, de amigos, de amantes, de esposa e de filhos, em geral percebemos o seu valor apenas depois da perda. Se chegarmos a isso, em primeiro lugar a posse irá trazer-nos imediatamente mais felicidade; em segundo lugar, tentaremos de todas as maneiras evitar a perda, não expondo a nossa propriedade a nenhum perigo, não irritando os amigos, não pondo à prova a fidelidade das esposas, cuidando da saúde das crianças etc.
Ao olharmos para tudo o que não possuímos, costumamos pensar: "Como seria se fosse meu?", e dessa maneira tornamo-nos conscientes da privação. Em vez disso, diante do que possuímos, deveríamos pensar frequentemente:
"Como seria se eu o perdesse...?"

By Arthur Schopenhauer, in 'A Arte de Ser Feliz'

* Não se valorizaria assim mais aquilo que se tem? Vamos lá aprender a ser felizes :P Carpe diem *

sábado, julho 08, 2006

A um ausente...



Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enloqueceu, enloquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.

Carlos Drummond de Andrade

[Imagem: Desconheço o autor]

quarta-feira, junho 28, 2006

Não gosto que faças isso...



Não gosto que
uses
o isqueiro
que te
ficou
do passado
para
atear o
cigarro.
Não gosto que faças isso.
Agora que
estás
comigo
não
acho bem
que recorras
ao calor
da chama
antiga
para te acender o sorriso.

João Luis Barreto Guimarães

[Imagem: Bruno Espadana]

quinta-feira, junho 08, 2006

Véspera...



Na véspera de nada
Ninguém me visitou.
Olhei atento a estrada
Durante todo o dia
Mas ninguém vinha ou via,
Ninguém aqui chegou.

Mas talvez não chegar
Queira dizer que há
Outra estrada que achar,
Certa estrada que está,
Como quando da festa
Se esquece quem lá está.

Fernando Pessoa

[Imagem: Desconheço o autor]

sábado, junho 03, 2006



Quando ficares velha e grisalha
E cabeceares à lareira, pega neste livro
E lê-o devagar, sonha com o olhar meigo
E com a sombra outrora nos teus olhos;

Quantos amaram os teus momentos de feliz encanto
E a tua beleza com amor falso ou autêntico.
Além daquele homem que amou em ti a alma peregrina
E as tristezas que alteravam o teu rosto;

E curvando-te mais sobre o quente da lareira
Murmura, um pouco triste, como o Amor fugiu
E caminhou sobre as montanhas bem lá no alto
E escondeu o rosto na multidão de estrelas.

W. B. Yeats

[Imagem: Desconheço o autor]

quinta-feira, maio 25, 2006

Súplica...



Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.

Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.

Miguel Torga

[Imagem: Joana Lorça]

quarta-feira, março 29, 2006

Onde estou?



Procurando por mim
desço a escada misteriosa,
que me leva, ao fundo do meu peito,
mantendo os soluços submersos,
vejo, toda a dor no meu mundo,
reflectida nos meus olhos.
Onde estou?
Só sinto o frio, o silencio profundo,
embalando-me a alma, em ruínas,
de mãos caídas,
assisto impotente, à morte dos sonhos,
remexo nas minhas feridas,
tentando desesperadamente curar,
o que já não têm cura.
A minha alma agita-se,
como uma folha de papel ao vento,
olho para trás e desejo correr,
em busca do tempo perdido,
mas já é tarde…
Acaricio então, as minhas lembranças
gritando para dentro, sem poder evitar
subitamente encontro-me, pergunto,
Ainda sou eu?
Sou, mas está tanto frio aqui,
fecho os olhos devagar,
as lágrimas explodem agora,
como palavras inúteis,
num poema ao silencio.
Agora,
sinto medo,
o medo da certeza,
de que quando a noite cair,
este deserto em ruínas,
ficará ainda maior.

Maria aka Marciana

[Imagem: Desconheço o autor]

domingo, março 12, 2006

Por um rosto chego ao teu rosto...



Por um rosto chego ao teu rosto,
noutro corpo sei o teu corpo.
Num autocarro, num café me pergunto
porque não falam o que vai
no seu silêncio aqueles cujo olhar
me fala da solidão.
Esqueço-me de mim. Tão quieto
pensando na sua pouca coragem, a minha
sempre adiada. Por um rosto
chegaria o teu rosto, mesmo de um convite
e desenha no ar o hábito
por que andou antes de saíres
do espaço à sua volta. Estás longe,
só assim podes pedir algumas horas
aos meus dias. Sem fixar a voz
a tua voz é uma corda, a minha
um fio a partir-se.

Helder Moura Pereira

[Imagem: Desconheço o autor]

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Regressa por favor...



Mesmo que só para dizer Adeus
mesmo que seja a última vez
mesmo relutantemente

mesmo para me magoar novamente
mesmo com uma dura acidez
de um sarcasmo que me fere

mesmo com uma nova forma de dor
mesmo voltando recentemente
de outro amor.

Regressa, regressa por favor...

Sylva Gaboudikan

[Imagem: Desconheço o autor]

sábado, janeiro 28, 2006

Saudade


















Nesta madrugada avessa
meus soluços vagam em insónias
dum cansaço amarrotado
pela intensidade do teu silêncio
são saudades em pétalas retocadas
de uma beleza indefinida.

O teu silêncio comprime a minha alma
adormeço na inquietação dum grito surdo
amo a vida sonhada a cada passo
em labirintos fechados
minha mão pára e não consigo finalizar
a sinfonia da saudade.

singularidade

[Imagem: Desconheço o autor]

sexta-feira, janeiro 20, 2006

Depoimento



Deponho no processo do meu crime.
Sou testemunha
E réu
E vítima
E juiz
Juro

Que havia um muro,
E na face do muro uma palavra a giz.
MERDA! – lembro-me bem.
– Crianças......
– disse alguém que ia a passar.
Mas voltei novamente a soletar
O vocábulo indecente,
E de repente
Como quem adivinha,
Numa tristeza já de penitente
Vi que a letra era minha.....

Miguel Torga

[Imagem:Desconheço o autor]